Papa Francisco: Igreja e Sociedade

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*Por Romero Venâncio

Uma nota: a estratégia do Papa Francisco.

O texto é uma reflexão. Em nada pretende ser um ensino ao Papa Francisco. Um homem sábio, experiente, preparado teologicamente como jesuíta que é. Não se trata de ensinar nada ao Papa. O interesse é muito mais fazer uma reflexão a partir de algumas coisas vistas nas redes sociais e com algumas práticas da direita católica nos últimos anos. A nota tem como objetivo pensar um pouco na importância da estratégia do Papa Francisco na geopolítica mundial e na afirmação do Concílio Vaticano II.

As escolhas de Bispos e Cardeais é uma prerrogativa do Vaticano na Igreja Católica Romana. Sabemos que grupos cismáticos e heréticos dentro do catolicismo têm nomeados bispos e ordenado padres, mas sem relevância canônica alguma. Tendo como finalidade apenas alimentar a seita e criar confusão na Igreja. Salvo essas loucuras de grupelhos, as escolhas de bispos e cardeais são feitas pelo Papa (ou atribuído a ele a responsabilidade das escolhas). Isto é histórico na Igreja. Os critérios nunca foram postos as claras. Deixando de fora o papel do “espírito santo” (de um modo geral, tendo papel menor do que deveria…), a indicação sai da cúria romana. Alguns historiadores da Igreja falam em pesquisa sobre a vida do religioso, consultas a algumas pessoas e a notória vida pública daquele que será o prelado alto posto no catolicismo. Nunca temos certeza dos critérios. As vezes vemos bispos com alta formação intelectual e currículo respeitoso e as vezes vemos bispos que nos perguntamos como conseguiu terminar uma graduação em teologia. Oscilamos nestes extremos com várias nomeações medianas.

Um exemplo histórico e um pouco mais perto de nossa história. As nomeações do Papa João Paulo II. Todas as nomeações de bispos e cardeais foram estrategicamente pensadas. Principalmente na América Latina e África. Que o digam José Oscar Beozzo e Alberto Antoniazzi, dois grandes historiadores da Igreja no Brasil e América Latina. Foram indicados bispos e cardeais de formação conservadora e vindos de grupos tradicionais que tinha verdadeira repulsa a “Teologia da Libertação”. Um anti-marxismo acompanhou todas as nomeações. Cada vez mais prelados preocupados unicamente com a vida interna da Igreja. Um “liturgismo” alienante tomou conta da Igreja no Brasil e América latina. “Liturgismo” somente preocupado com vestes sacerdotais, panos de altar, símbolos católicos e discurso religioso contra o mundo. O resultado já vemos faz tempo na Igreja do nosso continente. O resumo é geral e merece pontuações mais matizadas a partir de fontes, mas nos serve para entender as razões de nomeações de prelados para altos postos na Igreja.

Retomando o tema-título. O Papa Francisco assumiu em 2013 e de lá pra cá tem nomeado bispos e cardeais com perfil de centro, conservador e alguns poucos bem progressistas. Aos poucos, alguma coisa vai mudando na hierarquia e algumas práticas eclesiais cristalizadas desde a gestão de João Paulo II e Bento XVI vai mudando de orientação. O Papa Francisco vais demonstrando ter duas orientações estratégicas: Uma para dentro da Igreja e outra para fora… As vezes se combinam, as vezes não. Ele tem feito mudanças nos cargos internos da Igreja e na gestão financeira. Mudou nomes e cargos. Tudo na linha de reforça o Concílio Vaticano II e vai aos poucos deixando a direita católica sem discurso ou deixando-a acuada nas atividades internas da Igreja. O Estado do Vaticano é uma estrutura social de mudança lenta pelo seu histórico conservadorismo e anti-modernismo. Para fora, o Papa se comportar como uma “estadista”. Destaca grande temas e desafios do mundo contemporâneo e com linguagem moderna e atualizada. Da questão ambiental ao tema da pobreza; da luta passando pela paz e pelo diálogo religioso até as preocupações com os extremismos de direita que se espalha pelo o mundo a fora.

O que resta à direita católica nesta quadra histórica? Desde que o bispo e diplomata Carlo Maria Viganò, após renúncia ao posto nos EUA, disparou entrevistas e textos em crítica à gestão do Papa Francisco e todos os “modernistas” na Igreja, todo um movimento de direita dentro do catolicismo sentiu-se empoderado e repercutiu em suas redes sociais as posições de Viganò. Grupos e Youtubers da direita católica nas redes sociais já vinham fazendo barulho e reforçando uma leitura tradicionalista da Igreja, agora, com a posição do bispo/diplomata dissidente, a coisa se intensificou numa forma incontrolável. Sedevacantistas, tradicionalistas vários, católicos fascistas e anti-comunistas, todos inimigos das conquistas do Concílio Vaticano II, intensificaram e radicalizaram suas críticas públicas à Igreja. Alguns são notórios desiquilibrados mentais sem nenhuma questão teológica. Outros com um projeto conservador e anti-moderno para a Igreja. Tudo isto em pleno vapor nas redes sociais e em seminários de formação conservadora e tradicionalista.

Por fim e para fundamentar o que afirmo aqui sobre a estratégia do Papa Francisco, chamo a atenção para um livro. Acredito ser o mais importante até o momento em língua portuguesa. Trata-se de: “O novo Humanismo. Paradigmas civilizatórios para o Século XXI a partir do Papa Francisco” (Orgs. Dom Joaquim Mol e outros. Editora Paulus, 2022). O livro está dividido em 04 partes e 19 artigos, mais de 600 páginas!

A coletânea assinada por vários estudiosos/estudiosas da atuação do Papa Francisco, demonstram de maneira incontornável que há uma estratégia papal com base filosófica e teológica. Significa o seguinte: os textos e gestos do Papa não são impensados. Têm base bíblica, no magistério da Igreja e no Concílio Vaticano II… E numa profunda compaixão com os mais pobres do mundo.

Para aprofundar a conversa:

  1. Dois Papas & Dois Papados: Reflexões sobre Bento XVI e Francisco, com Dr Romero Venâncio (UFS).
  2. Papa Francisco & a Fratelli Tutti, com Prof Sérgio Coutinho e Pe. José Soares
  3. Analisando os 9 anos do Papado de Francisco, com Pe. Leonardo Dall Osto
  4. Papa Francisco: Juventude, Economia e Política, Com Thiesco Crisóstomo

* Romero Venâncio é professor de Filosofia (Graduação e Pós-graduação) e Cinema (Pós-Graduação) na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Possui formação nas áreas de Filosofia, Teologia e Sociologia.